“Cada pessoa tem um jeito de ser e de querer”. Essa foi a primeira coisa que veio à minha mente quando o despertador tocou hoje às 5:20 da manhã. A frase em questão é uma das mais ditas por minha amada vovó Neném.
Hoje o meu exemplo de vida completa 100 anos. Por isso eu dormi e acordei pensando nela. Aliás, esse sentimento anda recorrente. Desde que me mudei para Brasília minha saudade da vovó só aumentou.
Saudade desse amor da minha vida!!!
Quem me conhece sabe que a dona Neném sempre foi minha segunda mãe, já que meus pais se separaram quando eu tinha 2 anos de idade e o suporte que a família da mamãe deu pra mim e pra Fabiana sempre foi imenso.
Essa minha Vida de Cozinheiro, inclusive, não seria a mesma sem a influência da vovó. Foi com ela que aprendi a ter amor pelo alimento e pela arte de transformar carinho em refeição. Minha vó me ensinou do básico ao mais difícil.
Eu, vovó Neném, vovô Dimas e Fabiana.
Já tentou matar uma galinha e fazer molho pardo? Era um prato que a dona Neném fazia com maestria. Nunca tive vontade de provar um frango desses que não fosse feito por ela. E, mesmo tendo aprendido a técnica, também não é um prato que eu tenha coragem de fazer. Acho que esse negócio de cozinhar com sangue é algo para especialista.
Mas existem delícias que marcaram nossos almoços de família e que faço até hoje só pra dizer para o mundo (e pra mim) o quanto a amo e o quanto ela é importante. Uma das receitas mais acessadas desse blog é a do “tempero verde”.
Tempero Verde: receita da vovó!
A fórmula de sucesso do tempero caseiro mais saboroso do planeta eu aprendi, ainda bem pequena, com a vovó. E a lembrança que tenho dela na cozinha, com uma bacia imensa nas mãos, descascando alho e batendo a massa é algo que me motiva a seguir em frente.
Minha vó faz 100 anos com a pressão 12 por 8, com o colesterol normal, sem ter diabetes ou complicações mais graves.
Vovó adorava passar as tardes no pomar da mamãe.
Saúde que ela conquistou ao longo da vida colhendo o alimento da horta, fazendo o próprio pão de queijo (o melhor do mundo, por sinal), não bebendo refrigerante, comendo um pouco de tudo e exibindo sempre uma mesa farta e diversificada de alimentos simples, mas necessários ao bom funcionamento de qualquer organismo.
Porque minha vó não me ensinou a fazer "foie gras". E eu acho que ela nunca soube o que é isso. Mas eu a vi fazer, infinitas vezes, o melhor frango com quiabo de todos.
Meu frango com quiabo e angu eu aprendi a fazer com a vovó.
O mesmo posso dizer do meu pudim cor-de-rosa e da minha moqueca de surubim, preparações que também fazem parte desta minha Vida de Cozinheiro e que são homenagens à minha amada vovó Neném.
Pudim cor-de-rosa é uma das sobremesas preferidas da vovó.
Uma pessoa que soube viver a vida. Afinal, tem algo mais genial do que saber reconhecer que cada um é um universo diferente? A frase do início deste post pode parecer simples, mas é de uma sabedoria ímpar.
Inteligência emocional de quem se casou cedo, aos 18 anos de idade, com o saudoso e não menos amado Dimas Bontempo. Vivência de quem, ao lado do companheiro, rodou esse Brasil inteiro de carro e só não conheceu outras partes do mundo porque meu avô tinha medo de avião.
Vovó e vovô nas cataratas do Iguaçu nos anos 80.
Um amor que gerou frutos: quatro filhos, dois homens e duas mulheres. Tio José Maria se casou com a tia Tânia. Tia Maria José com o tio Sílvio. Ana Lúcia (minha mãe) se casou com o Sérgio (meu pai) e o tio Tadeu com a tia Juliana.
E, com o passar dos anos, dona Neném se viu rodeada pelos netos. Somos 6, cinco mulheres e um homem. Letícia, Mariana, Izabela, Fabiana, Joana e Bruno.
Da esquerda para a direita: Letícia, Izabela, eu, Bruno, Fabiana e Joana. No centro vovó Neném.
A Letícia, a primeira neta da vovó, inclusive, foi uma benção acompanhada de uma feliz coincidência: nasceu em primeiro de março de 1974, do dia no aniversário da vovó. Falando nisso, parabéns, Lê! Te desejo sempre tudo de melhor nessa vida, prima querida!
E não foi só essa família linda que minha avó construiu. A dona Neném é querida por muitos! Fez e faz parte da vida dos amigos e dos cônjuges dos filhos. Meu pai, mesmo separado da minha mãe, sempre chamou minha avó de sogra e teve muito carinho por ela.
Comemorando os 94 anos da vovó na casa do papai e da Romina.
Porque não tem como conhecer e não amar a dona Neném. Ela era o elo que unia as irmãs, os sobrinhos, os amigos e todos os parentes, próximos ou distantes. E foi o carinho com o qual ela sempre tratou todo mundo que a fez tão amada.
Minha avó tinha até caderneta com os aniversários anotados para nunca se esquecer de ligar para ninguém. Por isso que eu tenho certeza que hoje não é um dia muito importante só pra mim. Tem muita gente pensando e rezando por ela nesse primeiro de março.
Amigas queridas da vovó. Da esquerda para a direita: Dete, vovó, Hilda e Cassinha.
Mas hoje a festa vai ser um pouco diferente do que tínhamos imaginado para a data. Há 10 anos, quando minha vó completou 90, fizemos uma grande comemoração no salão do prédio do meu amado tio Tadeu, que infelizmente já tinha falecido.
Aliás, esse é outro ponto que difere a vovó Neném dos demais. Essa guerreira sorridente já enterrou o marido e os dois filhos homens. Teve força para passar por isso e seguir em frente com um sorriso ainda maior.
Da esquerda para a direita: tia Juliana, Ana Lúcia (mamãe), vovó, tia Maria José e tio Sílvio.
Triste por ter perdido três grandes amores, mas feliz por continuar tendo as duas meninas, os netos, os genros, as noras e toda a família ao seu lado.
Família que nunca a abandonou, nem nos momentos felizes e muito menos nos tristes. Os meninos da tia Ester, irmã da vovó, sempre a trataram como uma segunda mãe.
É muito lindo ver o carinho da Naná, da Carminha, da Glorinha, do Francisco e do Tarcísio pela minha vó. O mesmo acontece com os netos da tia Ester, que também a chamam de avó e o marido dela, o tio Antônio, que é como se fosse um irmão.
Tio Antônio, cunhado da vovó. Um irmão que a vida deu pra ela.
A tia Ester, inclusive, foi outro baque pelo qual Deus fez minha vó passar. Ela era a irmã mais nova e um dos grandes amores que minha vó tinha na vida. A tia Ester praticamente faleceu nos braços da minha vó, vítima de um acidente vascular cerebral.
Tristeza que uniu ainda mais as famílias, já que a amizade das duas dava gosto de ver. Elas faziam tudo juntas, viviam grudadas. Mesmo com as tarefas do dia a dia, dos filhos e dos maridos elas sempre arrumavam tempo para se encontrarem.
Neném, Ester e Sílvia: as inseparáveis irmãs.
Até ir de navio para a Patagônia elas foram. A vovó, a tia Ester e tia Sílvia, as três “irmãs cajazeiras”, como mamãe costumava falar, cruzaram o oceano no famoso Eugenio C., no início dos anos 80. Uma viagem da qual minha vó nunca esqueceu. Até outro dia ela contava como tinha sido maravilhoso conhecer a vida marinha das terras geladas da Argentina.
Outro trio que não se desgrudava era formado pela vovó, pela tia Zélia e pela tia Noêmia. As duas irmãs eram tias da minha avó, mas as três tinham praticamente a mesma idade. Isso porque minha bisavó, a Amália, era a mais velha das filhas.
Tia Zélia, vovó Neném e tia Noêmia. Acho que essa foto foi tirada em Dores do Indaiá, Minas Gerais, nos anos 40.
Amor que foi passado de mãe para filha. As duas filhas da tia Zélia, as minhas tias/primas Helvia e Ana Laura são muito apegadas com a minha vó.
E nós também temos um carinho enorme por elas e pelas famílias que elas formaram.
À esquerda a família da Ana Laura: Gabriela, Nélio, Ana Laura e Vanessa. À direita a família da Helvia: Ana Flávia, Maria Tereza, Hélvia e José Pedro.
E foi essa grande família que fez a festa em 2008, durante a comemoração dos 90 anos da vovó. Estavam todos lá. As filhas, os netos, os sobrinhos, os sobrinhos netos, os genros, as noras, os amigos dela e os amigos dos filhos.
Até o único irmão vivo da vovó dos 6 que ela tinha, o tio Esmerino, que mora em Luz, no interior de Minas, veio para celebrar com a gente.
Vovó com o tio Esmerino, a esposa dele, a Luci, e filhos.
A comemoração em agradecimento pela vida e saúde da nossa amada Neném foi brilhantemente conduzida por uma grande amiga do meu tio Tadeu, a Simone, que é monge budista. Um discurso que fez jus à minha vó e que emocionou a todos.
Mas como disse hoje, 10 anos depois, a história é um pouco diferente. Eu não estou mais rezando pelos muitos anos de vida dela. E acredito que ninguém está. Afinal, já são 100! E muito bem vividos!
Vovó recebendo o carinho da Simone, a amiga do meu amado tio Tadeu.
Também já não peço mais saúde porque isso graças a Deus ela teve para fazer tudo o que quis nessa vida! E bota “querência” nisso! Esse meu jeito mandão e determinado eu sei que herdei da vovó.
A dona Maria Gontijo de Melo sempre foi muito decidida! E por falar em sobrenome, nunca entendi porque minha vó não tem “Bontempo”. Afinal, ela se casou, na igreja e no civil, com o garboso Dimas Bontempo.
Será que vovó já era feminista em 1936? Maria Gontijo de Melo é um exemplo a ser seguido!
Seria, então, minha vó uma revolucionária feminista por não acrescentar ao seu nome o sobrenome do marido? Ou seria apenas um erro do cartório? A dúvida vai me acompanhar porque no auge dos seus 100 anos a vovó já não sabe mais responder.
Os médicos dizem que ela está com um quadro de demência por conta da idade. Eu já penso diferente. A última vez que estive com a vovó foi nesse carnaval. Minha mãe tinha me prevenido, dizendo que ela não estava reconhecendo mais ninguém. Já fui vê-la com este pensamento e, graças a Deus, me surpreendi.
No carnaval, visitando a minha vó no hospital. Feliz demais em ouví-la dizendo o meu nome e falando que me ama!
Vovó não só me reconheceu como me deu mais uma lição de vida. Eu estava chorando muito e bem triste de vê-la naquela cama de hospital “esperando a morte chegar”. Para minha surpresa dona Neném abriu um sorriso e disse: “por que você está chorando? Bobagem, minha filha. Eu estou bem”.
Na hora eu não entendi o que ela queria me contar. Pensei: como assim “estou bem”? Ela está a quase dois meses trancada num leito, sem a menor perspectiva de sair de lá.
A serenidade e a sabedoria da vovó Neném são os grandes ensinamentos que levo pra minha vida.
Hoje, 15 dias depois da minha visita, de ter olhado bem nos olhos dela, e de ter dado um abraço apertado no amor da minha vida, eu entendo. Minha vó está em paz e é só isso que importa.
Ela sabe que está perto de se desligar fisicamente dessa vida e já não tem mais medo de fazer essa passagem. Eu e ela sempre tivemos muito medo de morrer. E eu acho que é esse o grande privilégio de quem envelhece: poder ir digerindo os medos e se preparando para essa nova vida.
Vovó não usa óculos. Nunca usou. Nem pra costurar. Sempre enfiou a linha na agulha de primeira. E se orgulhava disso!
Aliás, cresci ouvindo da minha vó que tudo o que ela queria na vida era ficar velha. Ela dizia assim: “quem não envelhece é porque morre cedo e eu não quero ir embora logo não”. Por qual motivo eu não sei. Só sei que Deus ouviu as preces dela.
Dona Neném está aí, aos 100 anos de idade, mostrando para todos que tem ou tiveram o prazer de conviver com ela que a vida é linda e que vale a pena ser encarada de frente, de peito aberto, enquanto Deus quiser.
Amor maior do mundo! Felicidade em ter estado ao seu lado durante muitos momentos importantes da sua viva, vovó!
Parabéns, vovó querida! Muito obrigada por tudo. Te amo demais! Mais que tudo nessa vida. Ah, e quem achou que hoje não teria festa está muito enganado! Eu não estava lá, mas a mamãe, a Fabiana, a tia Maria José e o tio Sílvio foram ao hospital.
Eles enfeitaram o quarto com balões, levaram bolo e salgados e comemoraram juntamente com as enfermeiras e cuidadoras da vovó.
Tia Maria José carrega o bolo pra vovó soprar as velas.
Mamãe disse que a dona Neném lembrou o nome de todos, comeu coxinha e até bebeu um pouquinho de refrigerante. E apagou as velas com a mesma carinha boa de sempre. Como eu queria estar lá!
Por fim, vovó Neném mandou beijos pra todos. Como não amar essa minha linda???
Foi, sem dúvida, mais um primeiro de março muito feliz!
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Sou mineira, jornalista e trabalho há 27 anos em TV, mas gastronomia sempre foi minha grande paixão! Desde 2011, quando me formei pelo Senac Minas, passei a cozinhar a maioria dos produtos que como. Criei esse blog para mostrar ao mundo que comer bem é barato, fácil, divertido e necessário! Espero transformar você em um curioso pesquisador de aromas e sabores. Seja bem-vindo à minha Vida de Cozinheiro e sinta-se em casa!
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Bravissima la tua Nonna !... Tanti auguri di Buon Compleanno a lei !!...
ResponderExcluirMuito obrigada, meu querido! Beijo grande!
ExcluirBacio grande anche a te Mari !...
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