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15 de jan. de 2014

Comendo Arroz Doce em Montevidéu!

Comendo Arroz Doce em Montevidéu!


Foi com grande alegria que me deparei com essa tigela de arroz doce no café da manhã de um hotel no Uruguai. O prato me lembra infância e aí não tem jeito: dá saudade da minha vovó Neném e do tempo em que ela me ensinava a cozinhar.

Aprendi tantas delícias com ela. Receitas que sempre fazem parte do meio dia-a-dia, como o tempero verde, o frango com quiabo e angu, a moqueca de surubim e o pudim cor-de-rosa.

Graças a Deus ela ainda está viva! Só que agora, com 95 anos, dona "Neném" não cozinha mais. Virou "cobaia" das minhas invenções. Come tudo o que eu faço, sempre com aquela carinha boa e dizendo: "hummm, está uma delícia"! 

A saudade que sinto da minha amada vovó Neném é enorme!
Nossa, quanta saudade dela! Agora a gente não se vê mais todos os dias. Eu em Brasília e ela em BH. A tecnologia também não ajuda muito. Com a idade, ela ficou praticamente surda e não conseguimos mais nos falar por telefone. 

Mas quando chego em Minas é sempre a mesma alegria. E ela pode até não dizer nada, porque já anda mesmo no "mundo da lua". Mas sempre me abraça e pergunta: "o que vai ter de gostoso pra hoje?" Por isso hoje, caro leitor, a receita da famosa iguaria é em homenagem à minha vovó Neném. O doce, diferentemente do que muitos pensam, não é de origem portuguesa.  

Enfeitado ou não, arroz doce é uma delícia. Foto: Pxhere/CreativeCommons.org
Eu até achava que era e por isso que nem estranhei quando vi a tigela de arroz doce no buffet uruguaio. Pensei: nada mais normal que encontrar uma sobremesa lusitana num país onde a tradição portuguesa, principalmente na culinária, é muito forte, né?

Ledo engano. A ideia de se cozinhar arroz em leite vem da Ásia. Nos casamentos hindus, inclusive, principalmente no norte da Índia, é muito comum servir um arroz feito com açafrão, raspas de coco e frutas secas.

Arroz árabe, feito com açafrão, raspas de coco e frutas secas. Foto: CreativeCommons.org
Só que na Ásia o leite usado era o de coco. Quem mudou isso foram os Árabes. Eles conheceram o arroz doce durante as expedições ao norte da Índia, no século VI a.C. O próprio étimo "arroz" vem do árabe "ar-ruzz".  Lá no Oriente Médio já se cultivava o grão e com a importação da cana-de-açúcar e a canela vindas da Índia o arroz doce ganhou a cara que tem hoje.

No Oriente Médio a receita do arroz doce caiu no gosto dos Mouros que habitavam o norte na África. Esse povo, de descendência árabe, acabou dando um toque peculiar à receita: água de flor de laranjeira (Maa al zahar) e cascas de laranja. 

A palavra "arroz" vem do árabe "ar-ruz". Foto: Takeaway/CommonsWikimedia.org
E o prato característico da culinária moura, por muitos séculos, foi produzido dessa forma no continente africano. Até que no ano de 711 os Mouros decidiram invadir a Península Ibérica

Em apenas dois anos, durante a Batalha de Guadalete, eles decretaram o fim do Reino Visigótigo no sul do que hoje é a Espanha e conquistaram a região. E a Península Ibérica ficaria sob o domínio muçulmano pelos próximos oito séculos.

Batalha de Guadalete, ano de 711, Península Ibérica. Foto: gravura livro "As Glorias Nacionales". CreativeCommons.org
E, como em todo processo de dominação, os costumes e tradições do povo Mouro foram disseminados entre portugueses e espanhóis. O arroz doce é, inclusive, um ótimo exemplo dessa influência Árabe. A receita feita com arroz cozido em leite e açúcar chegou no sudoeste da Europa, se popularizou e foi ganhando nova roupagem.

Tanto que quatro séculos depois da chegada dos Mouros a receita já figurava nos principais livros de culinária do Velho Mundo. Na região que no século XII já se chamava Portugal (o país se tornou independente em 1139) o arroz doce virou o queridinho da vez.

Até o recipiente onde se serve o doce pode deixar o arroz mais interessante. Foto: Pxhere/CreativeCommons.org
Em 1492 os cristão decretaram o fim do reinado muçulmano na Península Ibérica. O episódio, conhecido por "Reconquista" devolveu o controle dos reinos Portugal e Espanha aos descendentes dos "Visigodos", bárbaros de origem germânica que, por sua vez, tinham tomado a Hispânia dos romanos e ocupado essa região do ano 418 a 711, data da chegada dos Mouros.

Mas nem a derrocada do Reinado Mouro fez ruir a tradição do doce de origem árabe. Os portugueses mantiveram o toque cítrico dado pelos Mouros mas substituíram a laranja pela da casaca do limão. E, assim, o doce chegou ao Brasil. Trazida pelos nossos colonizadores lusitanos, a preparação rapidamente ganhou a "Terra Tupiniquim". 

Os portugueses chegaram aqui com os costumes e receitas também. Foto: CreativeCommons.org
A receita, inclusive, está documentada no livro "O Cozinheiro Nacional", escrito no final do século XIX. O exemplar, de grande valor histórico, pode ser baixado no site da Biblioteca. Preparação que minha vovó Neném, descendente de portugueses, aprendeu com a avó dela que, por sua vez, aprendeu com a avó. Uma preparação simples que, pra mim, é quase sinônimo de família e que é por isso que gosto tanto de fazer e de comer.

O mesmo aconteceu com a disseminação da receita no Uruguai já que os portugueses também dominaram o país. A Colônia de Sacramento, inclusive, foi, em 1680, a porta de entrada desses colonizadores na região. 

Os portugueses também chegaram em Uruguai. E pelas águas da Colônia de Sacramento.
E tanto na Europa quanto na América do Sul o arroz doce desempenhou e desempenha um papel importante, principalmente como iguaria típica de festas religiosas. 

Difícil ir em umas dessas tradicionais reuniões e não encontrar o doce. E por ter ficado conhecido como o "arroz-de-festa" acabou por dar origem a expressão popular. Aliás, frases gastronômicas criadas por conta de um contexto são sempre uma história bacana.

Amêndoas podem deixar o seu arroz doce ainda mais saboroso. Foto: Divya Kudua/CreativeCommons.org
O doce, no entanto, tem uma variedade muito grande na sua forma de confecção. Em Ílhavo, por exemplo, o arroz é preparado só com água, mas no resto de Portugal é comum o preparo do grão com duas cozeduras, uma com água e outra com leite. Aqui no Brasil o arroz, além de leite, ganhou leite condensado (que eu não uso) e até doce de leite na preparação.

A cor também varia. Aqui no Brasil, no Uruguai e em grande parte de Portugal utiliza-se o creme de ovos batido com açúcar, tipo gemada, deixando o prato "amarelinho". Já na região de Coimbra estes não são usados, e o arroz fica branco mesmo. Ou seja, cada um tem uma receita e um jeito diferente de prepará-lo. 

Com açúcar, pra mim, é mais saboroso que com leite condensado. Foto: Pxhere/CreativeCommons.org
Mas uma coisa é unanimidade: o doce é bom de qualquer jeito. Servido quente ou frio, com frutas ou puro, com açúcar ou leite condensado, com o sem ovo, o arroz doce agrada. E por ser muito fácil de fazer, pode ser sua próxima experiência culinária.

Anote aí os itens necessários para fazer uma receita de arroz doce que serve bem duas pessoas:

O arroz doce foi uma das melhores surpresas do meu café da manhã em Montevidéu, no Uruguai.
- Ingredientes:
. 1 litro de água
. 250 gramas de arroz branco tipo Arbóreo ou Canaroli
. 1 pau de canela
. 250 gramas de açúcar refinado ou cristal
. 1 litro de leite
. 3 gemas de ovos
. casca de limão Taiti ou Siciliano
. uma pitada de sal
. canela em pó para decorar

Sem ovo eu acho que o arroz fica branco demais. Foto: Purdman1/CreativeCommons.org
- Modo de fazer:

. Leve ao fogo uma panela com a água, o pau de canela, o açúcar, o arroz e uma pitada de sal. Deixe cozinhar até o arroz incorporar quase toda a água. 

. Em uma tigela, bata as gemas acrescentando um pouco do arroz al dente para as gemas não talharem. Com o fogo desligado, incorpore as gemas ao arroz. 

. Acrescente o leite e a casca do limão. Misture bem. Abaixe o fogo e deixe as gemas e o leite cozinharem juntamente com o arroz. 

. Com o arroz cozido, retire o pau de canela e a casca do limão. Sirva o arroz doce quente ou frio, polvilhado com canela em pó.

Vovó Neném, um dos maiores amores da minha vida. Amo demais!
Um ótimo lanche em família para todos nós.

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